quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Turma do Barulho - os anti-heróis dos quadrinhos infantis e brazucas

Estudos de criação dos personagens

TV Colosso, Menino Maluquinho, Turma da Fofura, Os Trapalhões, Fofão, Senninha... todas estas séries são exemplos das muitas tentativas da Editora Abril de substituir as crias de Maurício de Sousa. Afinal, ao sair da casa em 1987, Maurício levou com seus ganha-pães seu enorme faturamento em bancas para a Editora Globo, deixando a casa do Pato Donald em crise financeira.

Os cartunistas ficaram satisfeitos com a situação, pois foram-lhes apresentados liberdade para mostras suas novas criações.

Foi aí que o ilustrador e cartunista Jotah e a produtora e colorista Sany (craques em desenhos infantis, tendo produzido desenhos animados para o programa Rá-Tim-Bum da TV Cultura, a série Aladdin da Disney, revistas da LBV e ilustrações para livros didáticos e jogos infantis) resolveram criar em 1993 um projeto de uma nova HQ para a Abril. Isso acabou congestionando a fila de candidatos à vaga de Maurício na casa.

A Turma do Barulho. Da esquerda para a direita: Bob, Tóbi, Carol, Kid Bestão, Milu e Babi

A Turma do Barulho foi criada como a Turma da Nani para outra editora, mas os personagens ainda não tinham sido desenvolvidos e foi por isso que a Abril só lançou o primeiro número da revista em 1996. A mais ousada, irreverente, anárquica e divertida HQ infantil/pré-adolescente já criada no Brasil. Uma ousadia que, comparando, fez com que outras HQs infantis parecessem histórias da carochinha, deixando os quadrinhos de anti-heróis dos anos 90 na sola do chinelo. Foi a última tentativa da Abril com HQs brazucas até Gemini 8, UFFO e Garoto Vivo na Vila Cemitério serem o ano em que o mundo quase acabou. Tinha 32 páginas coloridas e saiu com a tiragem de 30 mil exemplares.

As histórias eram centradas em uma turma na escola, só que mostradas de um outro ponto de vista, nunca antes mostrado em outras HQs infantis. A gíria, o palavrão, o grafite nos muros, a mania de cabular e colar na prova, o bullying sofrido e praticado, a turma do fundão, os adereços, os peidos, o "te pego lá fora", as brigas e rixas entre turmas, a paixão por video games, a loira do banheiro.... Enfim, tudo de bom ou ruim que fez e faz parte da infância de qualquer criança estava lá, com muito bom humor.

Espiar a menina tomando banho...

...e as conseqüências.

Jotah foi mais do que ousado de não só mostrar o universo lúdico da criança, mas também o seu lado mais humano, sarcástico, rebelde. Qual criança na vida nunca zombou de outra e nem soltou um palavrão?

Repare na tirinha à esquerda da ficha técnica da Turma do Barulho no. 2 da Editora Press para ver o quanto safados esses moleques têm sido.

Os personagens da revista tinham os hormônios à flor da pele e refletiam uma geração que entrava na adolescência na velocidade-luz. Diversas situações foram criadas nas histórias pra mostrar a atitude desta nova geração. Duas meninas Milu e Babi já estão querendo namorar e se apaixonam perdida e cegamente por qualquer representante do sexo masculino. Os meninos espiam as mulheres se trocando ou tomando banho, e até ousam dar uma espiadinha por debaixo da mesa, na cor da calcinha da professora. Brincadeiras infantis que já beiram à sexualidade.

O romance que não era restrito à mãozinha dada. Os personagens da Turma do Barulho não eram assexuados.

Para produzir a revista, Jotah montou um estúdio na Rua Direita, no centro de São Paulo, e reuniu um bando de artistas vindos principalmente de animação. Enrique Valdez, Rosana Valin (atual MSP), Jarbas Valin, Tomaz Edson, Jean Okada, Nelson Lima e Paulo Santos eram a equipe que cuidava da revista. Para criar um visual moderno e não-convencional, seus artistas empregavam uma diagramação que enfatizava as cenas soltas, algumas sem requadro e cores contrastantes.

Nessa aventura publicada na primeira edição, Babi veste sua prótese e já se acha uma mocinha.

O lançamento da número 1 foi tão tumultuado quanto à pré-estréia de um novo filme-evento. Uma troca repentina de papel inicialmente prensado para a impressão do gibi fez com que os tons de pele de todos os personagens parecessem muito escuros, quase negros. Realmente, a cor escolhida seria mais morena, porém, para um papel de qualidade superior, o que só pôde ser consertado na 3a edição, quando foi adotada uma tonalidade mais clara.

A partir da 3a edição, a tonalidade da pele dos personagens tornou-se mais clara, para se adequar à impressão no papel-jornal. Compare este número com o primeiro.

A capa teve de ser modificada constantemente antes de chegar à sua versão final. Houve uma certa censura por parte da editora, principalmente nos diálogos dos personagens, pois temiam chocar o público. Mesmo assim, era comum encontrar expressões como "bunda", "mijão", "boiola", nomes que até hoje só podem ser encontradas na revista MAD.

As histórias também focavam em temas polêmicos, como por exemplo, fumar na adolescência, sempre mostrando que era legal ou não.

Em uma ótima jogada de marketing, o estúdio produziu, com seu próprio orçamento, uma propaganda animada veiculada no sul do país. A Rede Globo cobriu o lançamento, inclusive com uma entrevista com seu criador, feita pela jornalista e atual âncora do Jornal Hoje, Sandra Annenberg. Os personagens roubaram a cena no Festival Internacional de Quadrinhos do HQ Mix realizado no SESC Pompéia. Ao lado da Turma da Mônica, Seninha e dos personagens do Cartoon Network, a Turma do Barulho apareceu no telão em um vídeoclipe com direito a uma trilha de um grupo de rock.

A Folhinha de São Paulo destinou a capa e sua reportagem aos astros em ascensão das bancas. O jornalista Thales de Menezes fez uma matéria excelente sobre o lançamento e os papparazzi levaram o gibi para a diversão dos alunos do Colégio Augusto Laranja em São Paulo. As crianças opinaram e elogiaram principalmente a linguagem do gibi, mais fie l à realidade, ao dia-a-dia na escola, com suas aprontações, paqueras e aventuras. O pequeno estúdio da Rua Direita passou a receber cartas da massa popular brasileira. A Turma do Barulho conseguiu não uma fatia do bolo e sim o bolo inteiro!


Cautelosamente, Jotah deixou para fazer o lançamento oficial do gibi apenas na quinta edição, quando já se pode saber se o título decolou ou não. Em uma estande da livraria Melhoramentos, mais de 300 pessoas, entre cartunistas e o público em geral, se acotovelavam pra folhear a revista e saber o que a turma estaria aprontando nesta nova edição. Um sucesso! Teve até apresentação do coral da LBV. Isto foi no domingo.


Como tudo que é bom dura pouco, a Abril extinguiu o selo Abril Jovem e levou com ele muitos títulos, incluindo Turma do Barulho. Apesar do triste fim, os personagens conseguiram mais uma chance, saindo pela Editora Press a partir de 1997, totalizando 6 números.

Jotah continuou sua carreira e hoje é um dos ilustradores mais renomados do Brasil, além de escrever vários de seus livros.

Esportes radicais eram a diversão desta turma.

E foi assim que a Turma do Barulho veio, provocou um terremoto no mercado de quadrinhos, foi um sucesso de crítica, matou Frank Miller e o pessoal da Image Comics de inveja, causou indignação, revolta e admiração em muita gente e, como um grande cometa, passou rapidamente e desapareceu. Dificilmente é mencionada em premiações ou mesmo em publicações que contem a história da HQ brasileira.

Curiosamente, na mesma época, a banda Mamonas Assassinas causava a mesma indignação ao fazer o público infantil e adolescente brasileiro cantar frases como "Oh Maria, essa suruba me excita". Sua carreira foi encurtada por um acidente aéreo que matou todos os seus integrantes. Coincidentemente, o gibi também foi um marco. Tanto a banda quanto o gibi tinham o único propósito: divertir.

O mundo já tinha mudado, mas a mídia só percebeu algum tempo depois.

Colar ou não o brinco? Eis a questão de uma nova geração.

Atualmente, os quadrinhos já dialogam com uma nova criança, antenada, conectada ao mundo... Um "pequeno adulto", como bem disse o Maurício de Sousa, em entrevista a Fernando Vives da revista Carta Capital. A Turma do Barulho sacou tudo isso lá em 1996. Com uma versão mais sarcástica e bem humorada, trouxe para as bancas a galera que está aí até hoje. Uma pena, porque... talvez fosse cedo demais.

Fonte: alexandrehq.blogspot.com.br/2013/08/turma-do-barulho-um-furacao-que.html

3 comentários:

  1. Eduardo Ho...

    Muito, mas muito obrigado mesmo pela matéria sobre a TURMA DO BARULHO. Agradeço em meu nome e de toda a equipe, os verdadeiros responsáveis pelo sucesso meteórico dessa galera que, certamente, mexeu com o mercado das HQs nacionais e, por que não dizer, inspirou o mercado internacional. Ainda hoje, cetenas de fãs pedem O RETORNO DA TURMA DO BARULHO. Aproveito a oportunidade para, também agradecer a todos. O maior prêmio que a Turma do barulho pode ganhar é este... O reconhecimento do público. Muito obrigado! (Jótah/Criador da Turma do Barulho).

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    1. estou um ano atrasado, mas eu li estas revistas á muito tempo atrás e gostei muito! lembro que o impacto ao ver abordando estes temas livremente era um marco! Infelizmente acompanhei a revista só até a edição em que vcs fizeram uma votação para o nome do cachorro! ehehe

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  2. Parabéns Jótah Ilustrador!!! Só acho que a pessoa que escreveu a materia no blo0g, deveria ter explicado que ela é toda calcada e , por que nao dizer copiada, trocando apenas algumas palavras, da matéria que fiz em 2013, no meu blog http://alexandrehq.blogspot.com.br/2013/08/turma-do-barulho-um-furacao-que.html

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